quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Oficina Atribulada no Domingo de Sol




Poderíamos estar em uma praia ou em um parque, mas, novamente estamos de livre e espontânea vontade em uma oficina atarefada. Um domingo quente ao lado de uma forja, mais quente ainda, e estranhamente, não vi ninguém reclamar. Muito ao contrário, olhares atentos, precisos, examinando milimétricamente detalhes do trabalho, e depois, um leve sorriso de satisfação do dever cumprido.

Um fim de semana subversivo, apócrifo, modernamente herético. Afinal, não estamos nos dedicando a nenhuma das atividades aprovadas pelas propagandas da tv. Não estamos comprando, consumindo, ou simplesmente descansando de pernas para o ar em uma praia de cartão postal. Estamos trabalhando, aprendendo e crescendo, em uma prece ruidosa a Hephesto.



Com aço não tem papo furado, não tem enrolação, só obedece as leis básicas da física, é diretamente sincero em sua simplicidade. Bata errado e ele vai ao lugar errado, todo o trabalho vai embora com uma única martelada incorreta. Ele pode parecer ingrato, pois uma martelada errada vai arruinar vinte certas e precisar de mais vinte para corrigir, mas ele é coerente, sincero e confiável, desde que conheça sua natureza. O nosso cotidiano é tão complicado que a complexa sinceridade do aço é relaxante.



Poderia estar sendo irônico, mas não estou, tem algo de lúdico, de bucólico no trabalho do aço, esquentar a peça na forja, martelar da maneira correta, e o papo diverso com os colegas. Assuntos técnicos de metalurgia, argumentos indizíveis sobre a política nacional, dicas de jardinagem e cozinha, design de facas, física quântica e outras amenidades. Foi um domingo muito agradável.

Está sendo deliciosamente divertido ser um novato, muito a aprender e resultados vindo de maneira rápida. Para quem só havia freqüentado uma forja por três dias, a uns dezoito anos atrás na chácara de um colega, voltar a bater no aço com um pouco mais de conhecimento e propriedade é um entretenimento incrível. No início o aço não me obedecia, aos poucos fui conseguindo moldar algo, e agora, conseguir resolver em três marteladas o que eu demorava sessenta é muito gostoso. Não tenho ilusões de chegar a ser um mestre, mas este caminho rápido dos iniciantes proporciona muita satisfação, como tudo na vida, quanto mais aprendemos mais demoramos a melhorar, pois chega um ponto onde o caminho já não é simples e o mapa não foi traçado.



Existe um prazer de iniciante que é o “estar fazendo”, aprender, tirar a simples alegria de fazer. E fazendo, evoluir na arte, melhorar suas habilidades, não estou nem falando de forja, mas também de música, cozinha e todas as atividades pelo qual podemos nos apaixonar. Por sorte na forja sou neófito, seria bom que durasse para sempre, mas, se assim o fosse não estaríamos aprendendo. Em outras áreas que tenho mais conhecimento a evolução não é tão rápida, assim, os resultados da forja são muito animadores.

O meu sorriso bobo deste fim de domingo, vem do prazer de fazer e aprender. O Rands e o Greg já são mais experientes, e acho que teriam diferentes explicações, mas fato é, no final deste domingo, estavam todos com um sorriso daqueles que só sai com cirurgia plástica.



Foi um bom domingo!
Abraço,
Alê

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Alquimia e reciclagem



Transformar chumbo em ouro, foi a lendária tarefa dos alquimistas. Sabemos a receita, é simples, meio difícil de ser executada fora de uma “forja estelar”. Uns prótons e nêutrons a menos e chumbo vira ouro.

Em nossa modesta forjinha estamos longe de temperaturas solares. Podemos nos dedicar à alquimia moderna, a reciclagem. Tirando fora o homem, na natureza não existe lixo, o que não é aproveitado por um é usado por outro. Usando a magia alquímica, reciclamos para que no futuro não moremos no planeta lixo. Transformamos o lixo em facas nobres e nem precisamos mover prótons e nêutrons.



De vez em quando seu carro passa por um buraco e você os percebe maiores. Hora de trocar o amortecedor, ou logo sairá pulando como um canguru. Para onde vão estas peças rejeitadas que nos serviram por quilômetros em nossas estradas esburacadas? Passar o resto dos seus dias no céu das peças usadas, o ferro velho que carinhosamente chamamos de paraíso do tétano. É lá que garimpamos nosso “chumbo”, muitos teriam objeções a dar nova encarnação a peças velhas, preferindo comprar o aço virgem e com pedigree. Em parte poderiam ter razão, existem diversos tipos de aço, precisamos conhecer bem as características para saber a maneira correta de trabalhar o metal para extrairmos o ouro de uma faca nobre.



Conhecimento não pesa, e raramente atrapalha, vamos pensar: Na indústria a maioria das peças é feita com um tipo de aço específico, dentro de tolerâncias estritas, se conhecermos a especificação da determinada peça, teremos um aço velho com melhor pedigree que o virgem.



Na foto acima, podemos ver a seqüência a partir do nosso resto de aço. A primeira tarefa é abrir o “blank”, trabalho social e bruto feito em conjunto. O ferro velho vai tomar o passo inicial para sua reencarnação. Depois o “blank” irá começar a tomar forma a marretadas e fogo na temperatura correta, ser trabalhado, temperado, revenido, polido e afiado para depois ganhar um belo e confortável cabo e missão cumprida. Hora de comemorar.



Um detalhe, o belo tempranillo é para comemorar o fim do trabalho. Uma gota de álcool e você ganha cartão vermelho na forja. Afinal, ninguém quer ser estúpido e perder um dedo.

Abraço,
Alê

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Bater ou Cortar?



Apesar da mística de uma lamina forjada com sangue, suor e lágrimas, será que existem mais motivos para escolher-se o fogo à simples tarefa de recortar uma faca de uma chapa de aço? Do ponto de vista da artesania, uma faca recortada pode ter o mesmo esmero de seu criador. O que faz que mesmo nos tempos modernos a lamina gerada no fogo seja superior às outras? Que estranha magia é fundida junto ao metal que faz com que seu corte seja superior e mais duradouro? Será que são as palavras mágicas proferidas de maneira inaudível que se ligam ao metal quente e tornam o fio tão letal?

Tentando resolver estas e outras questões, me infiltrei no mundo do aço, nos segredos marciais guardados por Crom. O aço já foi o maior segredo militar, o topo em termos de armamentos letais, a diferença entre perder e ganhar uma batalha. Sob sua imponência espadas inimigas eram literalmente cortadas e caiam inertes nos campos de batalha com seus donos se esvaindo em sangue.

O fogo sempre foi a maneira tradicional de moldar o metal para fazer todos os tipos de ferramentas, antes da existência de equipamentos poderosos capazes de cortar metal, como torno, a fresa e outros.



Poucos restaram que dominam a arte do fogo e metal, o Rands teve a possibilidade de aprender com um senhor, já idoso, que fazia na forja até pé de máquina de costura. Segundo o que ele conta, este senhor possuía um arsenal de martelos, feitos pelas próprias mãos, de todos pesos e formas. Assim, a habilidade de anos de mestria no ofício, era capaz de rapidamente converter um pedaço de metal em uma peça com a mágica ajuda do fogo.

Não é à toa que a máquina moderna industrial não podia depender destes profissionais de treinamento tão árduo para produzir o monte de porcarias que consumimos nos dias de hoje, ia ficar tudo muito caro. Mas afinal, porque não existem métodos melhores e mais rápidos para a cutelaria? Pois como o nome diz, é no corte, no gume, o fio da lamina em que a forja reina suprema.



A cutelaria é a arte de fazer ferramentas de corte, e por algum motivo mesmo nos tempos modernos a técnica antiga ainda produz as melhores laminas. É uma alquimia onde devemos entender a própria natureza das coisas para desvendar o segredo da forja.

Vamos pensar um pouco, o que é uma lamina? Qual o motivo de cortar? Ela corta pois tem uma borda aguda, afiada. Os homens da caverna já afiavam pedras para ter o mesmo efeito, mas elas não cortavam tão bem quanto o metal. E o motivo está na própria essência molecular das rochas contra metais, o ferro e o aço. A borda aguda é capaz de concentrar a força em um ponto mínimo e assim penetrar outros materiais, partindo-os. Quanto mais fino o fio menor a força para cortar e a “finura” do fio vai depender do material do qual é confeccionada a lamina.

É na criação do fio mais fino que o metal forjado e temperado de acordo vai produzir as melhores laminas. Vamos imaginar que o aço tem grânulos, como se fosse feito de areia bem compactada, é só na forja que estes grânulos atingem densidade máxima, conferindo maior resistência ao fio. Muito duro ele quebra, muito mole ele dobra, tem que ter a tempera correta. Martelando o metal quente, nós aumentamos a densidade e temos um metal melhor para o corte, além disso, estes grânulos são de certa maneira desorganizados, o que pode ser ruim para a resistência do metal do ponto de vista estrutural, mas é ótimo para o fio.



Este foi o pouco que pude apurar da existência do ritual da forja, onde o aço é aquecido e martelado muitas vezes, eu sei que existem muito outros segredos que não ousam me contar, eu vejo o Greg murmurando palavras mágicas ao bater no metal, não me explicam nada. Verdade ou mentira, misticismo ou realidade, empunhar uma lamina forjada, feita a mão traz um algo mais que não posso explicar, mesmo que seja uma simples faca de cozinha. E como dizem: “ Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.”.

Abraço,
Alê

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Hephaestus Crew




Tem gente que gosta de assistir futebol com os amigos no fim de semana, outros de fazer um bom churrasco ou só beber umas cervejas e jogar conversa fora. Agora, tem uns caras ai que se juntam no fim de semana para dar porrada em pedaço de aço velho em brasa! Tenha dó! Não é muito mais simples assistir uma partida de futebol na tv?

Infelizmente tenho que dizer que conheço estes caras, que agora até se auto denominam “Hephaestus Crew”. Ficam escarafunchando ferros velhos a procura de rolamentos destruídos, limas velhas ou eixos de amortecedores com o simples intuito de tacar-lhes o malho. Seria mais seguro se ficassem bem comportados em frente de uma grande tela de TV.

Para vocês entenderem melhor vou explicar em mais detalhes a patologia. Está longe de ser um caso simples.

Há um método em toda esta loucura que não é novo, é uma artesania que data dos primórdios da civilização e, antes da revolução industrial, era o principal método de confecção de ferramentas.

Querer fazer coisas quando podemos confortavelmente compra-las prontas? E ainda usando técnicas ultrapassadas! Se quero uma faca, é só comprar no supermercado, em vez de ficar esquentando um pedaço de ferro a altíssimas temperaturas e tentando moldar uma faca com uma marreta!



Eles tem uma forja, um forninho metido a besta que faz um assado em uns cinco minutos, culpa do Rands que viabilizou o projeto. Tem uma mesa de ferro de cinqüenta quilos, sobre um toco de mais outros cinqüenta. Uns martelões de dois a meio quilo e umas pinças grandonas chamadas tenazes para pegar o aço que sai vermelho de tão quente da forja.

Ficam lá se revezando na tarefa de esquentar e martelar estes pedaços de aço, fazendo barulho, muito barulho. Malham o ferro até o braço não agüentar, e revezam na frente da forja, mantendo o mesmo ritual.

O grande culpado é o Greg, ele que vem a uns vinte anos( que eu me lembre) juntando livros e tralhas sobre este assunto, para fazer facas... Tem gente que tem o dom de fazer as coisas pelo lado mais complicado, mas se o Rands não tivesse entrado na estória, poderíamos estar calmamente vendo televisão, há uma dupla culpa. O pior é que tem até mulher malhando o ferro, dizer o quê?



Não consigo entender, fui pego desprevenido por conta de uma faca de cozinha que eu queria e não existe para comprar em lugar nenhum do mundo. Me fizeram desenhar um projeto, e cortar um molde em lata. A faca não ia se materializar sozinha, assim tive que pegar um eixo de amortecedor e sentar-lhe o malho para o transformar na minha faca dos desejos. Estou longe de cumprir meu objetivo e ficar livre destes loucos gauleses, o pior é que tem algo de viciante neste metal quente.

No começo era só porrada bruta, um segura e o outro senta a marreta com toda força, até o eixo brilhante de amortecedor parecer ume pedaço de ferro velho e chato. A partir daí o trabalho era só, tentar com uma marreta dar a forma de faca que desenhei no metal quentíssimo. Onde bater? Como bater? No começo o metal indócil se recusa a me obedecer, teimoso insisto em descer-lhe a porrada para que me obedeça e o teimoso cisma em me ignorar, bato mais, mais e mais. Chega um momento que você não pensa em mais nada, é você o metal e o fogo, todo o seu mundo é apenas isto. Mas o metal ainda teima em não obedecer as ordens que lhe dou com a marreta.



Aos poucos minha consciência vai se formando, um entendimento de onde bater para que o metal tome tal forma e a sensação do metal se curvando à sua vontade começa a tornar-se inebriante.

Sou o mais neófito destes loucos, agora catequizado e para piorar a figura ainda estamos compartilhando esta prática anormal com alguns malucos que podem se encontrar espalhados por ai.

Este é o primeiro post do “Hephaestus Crew”, um local para congregar pessoas e amizades forjadas no ferro.

Abraço,
Alê