terça-feira, 14 de junho de 2011

Forja, Artesanato e Vinho.




Quando pensamos em trabalho de forja, logo vêm à mente imagens de ferreiros nórdicos, vestindo peles e produzindo espadas hollywoodianas, usam sabedoria ancestral, milenar e secreta. Sua imagem pode ser esta nórdica ou moura até baixa Europa, mas a mesma mística milenar é comum a todas, nada mais fora de compasso com a boa e velha tecnologia, afinal, apenas o sangue para dar a melhor tempera no aço... será?



A mística de ontem é a tecnologia de hoje, se sangue ou urina foram bons elementos para temperar uma lâmina, não era por poderes mágicos, era por terem em sua composição sal. Assim, podemos deixá-los de lado e usar uma solução muito mais limpa e controlada, com efeito muito superior. Isto em nada diminui a artesania da forja, conhecimento raramente atrapalha, e hoje, nos tempos da internet, muito dele está ao alcance dos nossos dedos, basta ter vontade de procurar. O campo da metalurgia evoluiu muito, com um pouco de pesquisa achamos trabalhos científicos que vão adicionar conhecimento precioso no repertório do ferreiro. Muitas ferramentas modernas são forjadas, não por centenas de marteladas, mas por uma única, de muitas toneladas, o processo de forja confere ao metal propriedades interessantes, mesmo no mundo moderno.



Uma peça feita em forja manual nunca vai ser igual, terá uma variação praticamente impossível de ser analisada em um ensaio de laboratório controlado, mas estes ensaios podem direcionar o ferreiro para o conhecimento correto no caminho de entender os pontos críticos do processo de forja e têmpera. Como o Rands já me explicou, mesmo na indústria, os parâmetros precisos de laboratório não são alcançados e há muita variação. Não significa que tais estudos sejam inválidos, mas aí se entenderá o limite dos tratamentos de cada aço. Se a peça for deixada em temperatura muito alta, a mobilidade do carbono fará com que o mesmo seja expulso da peça, resultando em um aço pouco temperável ou até intemperável. O tratamento térmico de cada tipo de aço é feito em limites precisos para obter a dureza necessária, esta precisão é quase impossível na forja manual, mas entender tais gráficos fará com que o ferreiro entenda bem os limites de tal tratamento e o ponto onde todo o trabalho é perdido.



A forja dá ao metal características únicas, “empacotando” os grãos de metal de forma diferente do material não forjado, existem estudos mostrando com clareza. A realidade do processo na forja manual dificilmente será conhecida pela grande variação que o processo permite, assim como o vinho, há na artesania uma variação benéfica. Hoje vinhos são bem controlados para atingirem um sabor final padronizado, e assim ficamos livres de safras ruins, mas também nos livramos de safras extraordinárias que poderiam existir sem este controle.



Abraço,
Alê

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Forja e a Bicicleta




Em nossa penúltima sessão de forja, a chuva repentina nos tirou do trabalho e deixou um gostinho de “quero mais”. Do ponto em que iniciamos até agora as coisas vão bem, o time está motivado e os resultados são promissores. Foi um custo abortar a martelança, por conta de pingos gordos que teimavam em cair sobre os mil graus da forja, o desejo da tripulação era manter o barco em frente, mas em nome da segurança tivemos que aportar. Foi chuva forte, mas nada ainda comparada com os dilúvios bíblicos que assolaram os últimos meses.



Chuvas, trabalho de fim de ano, festas, descanso de fim de ano e mais trabalho de fim de ano até uma nova oportunidade aparecer, desta vez entremeada com um churrasco familiar. Apesar do calor a tripulação da nave de Hephaestus estava ávida por mais um encontro com o metal quente. Depois de tantos contratempos o medo nos assolava: será que em todo este tempo longe dos domínios do deus do fogo, parte de nosso árduo trabalho de aprendizado estaria perdida? Retroceder para uma briga insana com o metal para dominar-lhe a vontade não parecia uma grande perspectiva.

Preparamos o terreno, acendemos a fornalha, timidamente deixamos nossas peças em seu interior até que chegassem no laranja correto, começamos o trabalho. O bruto diálogo com o metal parecia estar rendendo, o aço não se mostrava teimoso e de maneira calma tomava a forma que lhe ordenávamos. O medo estava vencido, ainda tínhamos a mesma intimidade com o metal quente que esteve presente em nosso último encontro, Cronos não ousou roubar o aprendizado, e por este motivo nos sentimos mais confiantes em avançar na tarefa.



Uma vez que você aprende a andar de bicicleta nunca esquece, parece que acorre o mesmo na forja. A memória muscular que só é adquirida com treino árduo não é fácil de adquirir, mas muito mais difícil de perder. Apesar de no início termos conhecimento intelectual de como bater no aço, o movimento correto e a força necessária não está em nosso domínio, é preciso treino, que ficará gravado em nossos músculos; o ângulo correto do martelo, a força, até o jeito de segurar a peça fazem grande diferença, uma batida mais forte no ângulo errado e deformamos a faca para o lado que não queremos e o conserto dará trabalho, se não tiver mais erros.



Aprendemos que a benção de Hephaesto dura mais que alguns contratempos da vida diária, e assim, com mais moral, vamos ao nosso objetivo.

Abraço,
Alê